LucianaFranklin

“A palavra é metade de quem a pronuncia, metade de quem a escuta” Michel de Montaigne

Textos

as palavras não possuem fundamento

Montaigne critica a nossa linguagem, considerando-a também mera máscara, denunciando a incapacidade desse artifício de expressar a realidade das coisas. Para ele, as palavras não possuem fundamento, são vazias, equívocas; portanto, desprovidas de valor. Ele as considera instrumentos postiços e impotentes ante a substância do mundo – “O nome é uma voz que remarca e significa a coisa: não faz parte dela, a ela não se incorpora; é um acessório que se acresce, por fora” (II, Da glória, p. 285).

 

Montaigne sempre acusa a inanidade da linguagem, tentando demonstrar o quão injusto e autoritário é o processo em que as normas gramaticais nos mantêm. Mas, diante dessa crítica, é inevitável observar a incoerência implicada: Montaigne propõe-se a escrever um livro, busca ensaiar-se a si mesmo utilizando um artifício considerado tão inútil. Trata-se aqui de uma das várias questões nas quais ele se contradiz: em vários trechos descreve o processo em que busca experimentar-se, o modo como busca registrar sua espontaneidade, acompanhando com a escrita seus pensamentos no momento mesmo em que eles eclodem, já que as palavras são capazes de representar o movimento incerto do espírito. No entanto, em outras passagens, ele fala sobre a dificuldade de transcrever seus impulsos, as tentativas sucessivas de registrá-los, a busca sempre retomada de algo inapreensível: “É uma tarefa espinhosa, mais ainda do que parece, esta de seguir um rastro tão vagabundo quanto o de nosso espírito” (II, Do exercício, p. 178). Como se a linguagem, com toda a sua limitação e arbitrariedade, fosse incapaz de tocar esse eu fugidio e espontâneo. É nessa perene contradição entre um eu que se mostra e um eu que escapa continuamente a toda tentativa de apreensão que se constitui o próprio dos Ensaios. Buscando registrar esse eu verdadeiro, a linguagem para Montaigne não deixa de parecer vazia e insuficiente. Ele permanece ciente de que se mantém num jogo perpétuo de palavras arbitrárias, sabendo que não pode jogar senão apenas com o que tem. Por isso pode dizer que, “se os homens são incapazes de apreciar a moeda verdadeira, usa-se a falsa” (II, Da glória, p. 290).

 

Para nosso maior bem é que fomos dotados de inteligência; por que fazê-la voltar-se contra nós, contrariamente aos desígnios da natureza e à ordem universal que querem que cada um use suas faculdades e seus meios de ação da maneira mais conveniente à sua comodidade? (I, O gosto do bem e do mal depende em grande parte da opinião que nós temos, p. 31).

 

FONTE:

MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Trad. Sergio Milliet. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

STAROBINSKI, Jean. Montaigne em movimento. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

VILLEY, Pierre. Os ensaios de Montaigne. In: MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Livro segundo. Trad. Sergio Milliet. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s/d.

LucianaFranklin
Enviado por LucianaFranklin em 05/08/2025
Copyright © 2025. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.

Site do Escritor criado por Recanto das Letras